domingo, março 27, 2011

Como eu aprendi a parar de me preocupar e amar o U2.

O ano: 1990. O Brasil tinha acabado de eleger o primeiro presidente de forma direta, após longo período de ditadura militar. Eu, com apenas 12 anos, havia ajudado um pequeno grupo em um comitê do Lula a distribuir santinhos na rua, preparar lanches para os voluntários, organizar o material de campanha e tudo o mais possível pra uma menina de apenas 12 anos.
Não digo que eu tivesse consciência política ou entendesse bem o que acontecia, à época. Mas era algo intuitivo. Simplesmente me parecia mais certo o Lula do que o Collor.
Minhas aulas favoritas eram as de história. Me interessava muito por como os acontecimentos se encadeavam, como uma coisa levava à outra. Adorava entender o porquê dos fatos. E foi numa aula de história sobre o Domingo Sangrento na Rússia que uma amiga perguntou se era o mesmo domingo sangrento da letra da música do U2. Nunca havia prestado atenção nessa banda. E já ouvia punk rock, hard core, era fã do Bad Religion, principalmente porque meu irmão mais velho era skatista e eu costumava andar com seus amigos, aos quais eu devo a base do meu gosto musical.
Mais uma vez por intuição, o punk e, mais especificamente o hard core, me tocavam de alguma forma. Aquele som, aquela atitude, faziam muito sentido pra mim e parecia ser a trilha do meu modo de ver o mundo. De qualquer forma, fui procurar a tal música "Sunday bloody sunday", porque uma banda que trata de fatos históricos merece alguma atenção. Descobri que o domingo sangrento de que trata é outro, ocorrido quase 70 anos depois na Irlanda. Bem menos conhecido internacionalmente e pouco falado nas aulas de história.
E assim se deu meu primeiro contato com o U2: através de uma amiga de quem eu gostava muito, que era fã da banda e a trouxe numa aula de história. Na casa dela vi o vídeo daquele irlandês marchando com uma bandeira branca, cantanto sobre um massacre em sua terra, falando de amor, de igualdade, de justiça, de humanitarismo. Bem... tudo o que, mesmo sem entender direito, fazia sentido pra mim, me movia, me causava.
Fui desde então acompanhando a carreira da banda e os feitos do Bono. E, mesmo que anos depois eu não possa dizer que o U2 tenha o mesmo peso na minha vida que tiveram as bandas de punk rock, e que ainda tem e sempre terá o Bad Religion, ela é, e desconfio que sempre será, uma banda que me acompanha, que retorna de tempos em tempos e que fala muito do que eu penso sobre o mundo. Com alguma dose de breguice, é verdade.
Ontem fui ao cinema ver U2-3D. Achava que não ia me empolgar tanto. Nem tava ligando muito de não poder ir ao show, apesar de ter ingresso. Até ver o filme... Ah, como Bono ainda move essa menina de 12 anos que mora em mim. Ah, como os acordes tão familiares do Edge ainda me dão vontade de dançar e como aquele espetáculo todo me faz querer pular e cantar junto. Como eu gosto daquela mensagem de que um mundo melhor é possível e só depende de nós.
Hoje entendo os processos históricos de outra forma, vislumbro formas de ação que podem ajudar na construção desse mundo melhor, leio e estudo história, política, relações internacionais, direitos humanos e humanitários. E um mundo mais justo não é apenas uma utopia, mas uma realidade possível, apesar de todas as dificuldades e apesar de não ser um mundo perfeito, apenas melhor de que o que vivemos. Mas não tem jeito, a menina de 12 anos vai sempre morar em mim. E ela gosta de U2. Muito! 
E fala a verdade... Se os direitos humanos e humanitários são a sua causa, tem jeito de não admirar esse cara?


sexta-feira, março 18, 2011

Cuidado, Angeli! Muito cuidado...

Lembro que uma das tirinhas que me despertou o interesse por quadrinhos na vida adulta foi "Los três amigos", uma co-autoria do Angeli, Glauco e Laerte. Esses três, mais o Adão, que se tornou colaborador e quarto amigo mais tarde, viraram meus cartunistas favoritos. Meus e da torcida do Flamengo. São ícones absolutos da arte no Brasil.

De tanto matar Miguelitos por esporte, acho que acabaram alvo de alguma maldição desses pequenos mexicanos dizimados por Angel Villa, Glauquito e Laerton.

O fato é que, um a um, os três amigos estão adotando comportamentos bizarros e tornando-se adeptos de inimagináveis esquisitices.

O Glauco, todo mundo se lembra: foi assassinado por um membro de sua religião. E por sua religião, não quero dizer religião à qual pertencia. Não. Ele fundou uma religião chamada "Céu de Maria". E não pára por aí. Nos ritos dessa comunidade há o consumo do daime, aquele chazinho alucinógeno feito da ayahuasca.  Sim, caros leitores... O criador do Geraldão conduzia delírios coletivos, compunha hinos, rezava o terço e bailava noite adentro sob o efeito de uma erva psicotrópica!

E hoje, soube pelo Dudu que o Laerte, já há algum tempo, tornou-se crossdresser. É isso mesmo que você está pensando. Ele se veste de mulher. Não, não é gay. Tem namorada. Mas só se veste de mulher. Faz as unhas, se depila, usa saias, vestidos, cortes femininos. Aquele que já nos arrancou risadas altas com seu Deus, hoje se veste de menina.

E então, vamos fazer um bolão sobre qual vai ser a esquisitice do Angeli? Eu aposto em algo como só falar  Klingon, virar ativista do ETA ou Grão-vizir do Kim Jong-il.

E o Adão... Escapa?

segunda-feira, março 14, 2011

Eu num sô doido, não, dotô!

Esse é o mote repetido todo dia, o dia todo, por todos os usuários do Cersam.

Um deles toca hinos evangélicos no violão e canta a plenos pulmões, acompanhado da voz acutíssima de uma colega sua da permanência dia, que carrega um buquê de flores murchas que ela mesma confeccionou.

Na porta do plantão, um desdentado de dicção difícil exige, pela quinta vez no dia, ter uma conversa séria com o dotô. Pra dizer que não é doido, não, claro.

Um outro vem com seu constante cigarro aceso entre os dedos pedir, de novo, autorização para ir resolver seus assuntos na rua, pois ele não pode ficar ali parado o dia todo, não. 

Uma senhora questiona uma técnica o porquê de ela ir ali todos os dias... Fazer o quê?

Uma mulher maquiadíssima vem entregar um vaso de violetas para sua técnica de referência, voltando a cada cinco minutos para perguntar se ela ainda não terminou o atendimento a outro paciente.

Estagiárias de enfermagem fazem pipoca e distribuem para os usuários.

A plantonista tenta apresentar o serviço à nova psicóloga da rede que atuará num centro de saúde do distrito atendido por esse Cersam, sendo interrompida pelo telefone diversas vezes.

O motorista quer saber a quem deve buscar e para quem deve somente levar a medicação; a equipe de enfermagem quer saber a quem e qual medicação deve ministrar; a família pergunta como distrair um usuário que não quer ir à instituição, enquanto o SAMU não chega; há três acolhimentos a serem feitos; é preciso fazer busca ativa a um paciente que abandonou o tratamento; um outro se recusa a sair do porão onde mora e precisa de uma visita domiciliar.

São apenas 9h da manhã e tudo isso acontrece ao mesmo tempo. Não há nenhum profissional reclamando, todos sorriem e acham graça de toda a confusão. Priorizam, organizam e realizam suas tarefas. Todas urgentes.

A loucura ensina tanto sobre tolerância, paciência, respeito às diferenças e humildade!

Que bom que abrimos os portões dos manicômios e permitimos que a loucura circule pela cidade. Ela tem muito mais a oferecer-nos do que nós, supostamente normais, àqueles que a portam.