O ano: 1990. O Brasil tinha acabado de eleger o primeiro presidente de forma direta, após longo período de ditadura militar. Eu, com apenas 12 anos, havia ajudado um pequeno grupo em um comitê do Lula a distribuir santinhos na rua, preparar lanches para os voluntários, organizar o material de campanha e tudo o mais possível pra uma menina de apenas 12 anos.
Não digo que eu tivesse consciência política ou entendesse bem o que acontecia, à época. Mas era algo intuitivo. Simplesmente me parecia mais certo o Lula do que o Collor.
Minhas aulas favoritas eram as de história. Me interessava muito por como os acontecimentos se encadeavam, como uma coisa levava à outra. Adorava entender o porquê dos fatos. E foi numa aula de história sobre o Domingo Sangrento na Rússia que uma amiga perguntou se era o mesmo domingo sangrento da letra da música do U2. Nunca havia prestado atenção nessa banda. E já ouvia punk rock, hard core, era fã do Bad Religion, principalmente porque meu irmão mais velho era skatista e eu costumava andar com seus amigos, aos quais eu devo a base do meu gosto musical.
Mais uma vez por intuição, o punk e, mais especificamente o hard core, me tocavam de alguma forma. Aquele som, aquela atitude, faziam muito sentido pra mim e parecia ser a trilha do meu modo de ver o mundo. De qualquer forma, fui procurar a tal música "Sunday bloody sunday", porque uma banda que trata de fatos históricos merece alguma atenção. Descobri que o domingo sangrento de que trata é outro, ocorrido quase 70 anos depois na Irlanda. Bem menos conhecido internacionalmente e pouco falado nas aulas de história.
E assim se deu meu primeiro contato com o U2: através de uma amiga de quem eu gostava muito, que era fã da banda e a trouxe numa aula de história. Na casa dela vi o vídeo daquele irlandês marchando com uma bandeira branca, cantanto sobre um massacre em sua terra, falando de amor, de igualdade, de justiça, de humanitarismo. Bem... tudo o que, mesmo sem entender direito, fazia sentido pra mim, me movia, me causava.
Fui desde então acompanhando a carreira da banda e os feitos do Bono. E, mesmo que anos depois eu não possa dizer que o U2 tenha o mesmo peso na minha vida que tiveram as bandas de punk rock, e que ainda tem e sempre terá o Bad Religion, ela é, e desconfio que sempre será, uma banda que me acompanha, que retorna de tempos em tempos e que fala muito do que eu penso sobre o mundo. Com alguma dose de breguice, é verdade.
Ontem fui ao cinema ver U2-3D. Achava que não ia me empolgar tanto. Nem tava ligando muito de não poder ir ao show, apesar de ter ingresso. Até ver o filme... Ah, como Bono ainda move essa menina de 12 anos que mora em mim. Ah, como os acordes tão familiares do Edge ainda me dão vontade de dançar e como aquele espetáculo todo me faz querer pular e cantar junto. Como eu gosto daquela mensagem de que um mundo melhor é possível e só depende de nós.
Hoje entendo os processos históricos de outra forma, vislumbro formas de ação que podem ajudar na construção desse mundo melhor, leio e estudo história, política, relações internacionais, direitos humanos e humanitários. E um mundo mais justo não é apenas uma utopia, mas uma realidade possível, apesar de todas as dificuldades e apesar de não ser um mundo perfeito, apenas melhor de que o que vivemos. Mas não tem jeito, a menina de 12 anos vai sempre morar em mim. E ela gosta de U2. Muito!
E fala a verdade... Se os direitos humanos e humanitários são a sua causa, tem jeito de não admirar esse cara?