segunda-feira, outubro 20, 2008

Você fez alguma gentileza hoje?


Não sou uma pessoa que acredita em muitas coisas. Digo, não tenho fé em muitas coisas além das pessoas, da filosofia e das ciências. Sejam elas naturais, exatas, sociais ou humanas. Sobretudo as duas últimas.
Não sou religiosa, nem mística, nem hippie, nem fundamentalista, nem punk. Sou psicanalista.
Ah... e menina!
Mas, como disse, acredito nas pessoas e, portanto, no comportamento humano e seus efeitos sobre a vida do indivíduo, da comunidade, da sociedade, da humanidade, do mundo.
O que quero dizer com isso é que tudo o que nos acontece, de bom e de ruim, é senão responsabilidade nossa. Seja em nossa vida privada, social, na cidade ou na humanidade como um todo. Se o mundo está ruim e difícil, a culpa é do presidente Lula, do George W. Bush, do Ronaldinho, do Pimentel, da Amy Winehouse, e minha, e sua.
Estamos vivendo num mundo sem tolerância, sem gentileza. Onde quase ninguém se importa com o outro. Quase ninguém se importa em usar (desculpa, não há palavra melhor) um idoso para não enfrentar uma fila, ou pedir ao amigo motoboy que já tem 58 contas na mão, pra "quebrar o galho" de pagar só mais 27 porque tá com pressa.
Não precisa ser muito filosófico e ficar analisando as relações humanas de poder, de amizade, familiares, de amor. É sobretudo com relação a estranhos que o egoísmo e a maldade humana se manifestam. Em pequenezas do nosso cotidiano. Como no trânsito.
Preste atenção no seu caminho para o trabalho, logo cedo, quantas buzinas e xingamentos você escuta entre pessoas que nunca se viram. Qualquer vacilo é interpretado como uma legítima ação de agressão contra o apressado motorista que, por casualidade, passava por perto. Não se leva em consideração que às vezes, a pessoa não queria levar nenhuma vantagem e ganhar preciosos segundos ao mudar de fila. Que, às vezes, as pessoas erram. Não é o meu caso, é claro, porque vocês sabem: "I'm an excellent driver.(...) Dad lets me drive slow on the driveway every Saturday. (...) But not on Monday, definitely not on Monday." Mas tem gente que comete falhas na direção. Simples assim.
Com essa crescente hostilidade entre as pessoas, desde uma briga no trânsito, passando pelos péssimos atendimentos nos serviços de telemarketing ou nas lojas, até na vida amorosa de muitos casais, não há como encontrarmos o tão aclamado "equilíbrio" de que tanto se fala e que tanto se exige que devemos atingir.
Diz-se tanto que o mundo está louco... e é justamente de um louco, que vem uma das melhores mensagens que se proferiu nas últimas décadas. Uma mensagem simples, direta e muito fácil de ser seguida, mas que tem ficado cada vez mais distante de nossas vidas: Gentileza gera gentileza.
Era o que pregava por aí José Datrino, o Profeta Gentileza - o "amansador de burros homens da cidade que não tinham esclarecimento", como ele próprio se definia, numa demonstração de inquestionável lucidez.
Não só acredito nessa mensagem, como tento aplicá-la em minha vida. Tenho me esforçado cada vez mais pra não ser mais uma pessoa que tem vontade de matar o cara que me fecha no trânsito, de xingar a fofa do telemarketing que "não vai estar podendo estar esclarecendo" minha dúvida. Tento tornar minha vida mais agradável, tranquila e satisfatória com atitudes simples como esperar um pedestre atravessar a rua - mesmo depois que o sinal abrir, oferecer minha sala de espera à senhora que aguarda seu médico extremamente (e previsivelmente) atrasado, levando um chocolate pra moça que faz as minhas unhas, presenteando os amigos sem motivo senão a vontade de presentear.
Essas coisas pra mim são naturais, não exigem esforço, não apresentam dificuldade. É estranho perceber que tais atitudes surpreendem as pessoas e as fazem ficar realmente agradecidas, como se eu estivesse fazendo um favor. Imaginem só, se coisas pequenas como um "boa noite" ao porteiro do prédio ainda fossem uma regra de boa educação e não um sinal de bondade!
É triste perceber que desejar tolerância e gentileza é uma idéia utópica. E que a "cegueira" humana não nos tem permitido ver que mudar o mundo é fácil. A idéia vem sendo pregada há tanto tempo, seja sob a forma de uma religião (Amar o próximo), de um movimento social e cultural (All you need is love) ou da loucura de indivíduos como o José Agradecido - o Profeta Gentileza.
A vida fica muito melhor com esses bons sentimentos. Espero que você também tente e possa sentir a tranquilidade que ser bom, gentil e delicado com qualquer pessoa, pode trazer à sua realidade.

Um comentário:

Hildo Jr. disse...

I hear you, my pleasant friend!

E de quem é a culpa por não ouvirmos a voz que brada, tímida ou escandalosa, por gentileza num mundo de rudes?

Do ruído externo que impede nossos ouvidos de ouvirem a razão, tão pululante que nos passa despercebida? Da nossa inerente capacidade auditiva limitada e direcionada? Da cultura, educação e da sociedade em geral, que no fundo perpetua em vez de romper? De nós mesmos que, instintiva ou deliberadamente, ELEGEMOS o cortador de faixas no trânsito como uma ameaça e não como um mero "equivocado"?

Não deixo nunca de admirar sua esperança, PP... Ela, que sempre me dá luz num caminho que eu sempre tornei escuro nessas andanças pela mata fechada da vida num país esmagado por 500 anos de exploração e libertado por 20, talvez 30 anos, de regozijos pessoais e benefícios unilaterais em vez de sanidade generalizada.

Quero me lembrar desse seu texto na próxima oportunidade em que o cosmos me mostrar que nem tudo é como eu quero.
Thanks!
=]