Há momentos em que nos questionamos sobre escolhas feitas há tempos. Não sou muito de ficar pensando "e se...", mas às vezes, em momentos de relativa insegurança, dúvida ou incerteza, é inevitável lembrar que outro caminho poderia ter sido tomado.
Quando decidi parar de dançar, foi uma decisão difícil. Não o processo decisório em si - a verdade é que abrir mão da vida acadêmica pelo ballet sequer passou pela minha cabeça. Todavia, abrir mão daquelas quatro horas diárias num mundo meio paralelo, repleto de promessas e possibilidades, de empenho quase cego e pura paixão, foi algo doloroso.
Sentia saudade dos corredores do Palácio das Artes, das esquisitices dos funcionários e usuários da Fundação Clóvis Salgado, de assistir aos ensaios da Cia. de Dança ou dos espetáculos no Grande Teatro. Sentia falta até mesmo de não ter tempo de almoçar, dos calos e bolhas por causa da sapatilha, das distensões e nós na coxa, tirados por mim mesma pra conseguir continuar a aula.
Só depois de uns três ou quatro anos, tive coragem de assistir a um espetáculo de dança novamente. Foi uma apresentação do Kirov no próprio Grande Teatro do Palácio das Artes. Chorei feito criança o espetáculo inteiro.
Apesar de tudo isso, nunca me arrependi da decisão tomada com apenas 17 anos. Sei bem que não conseguiria me dividir entre a universidade e a dança. Não me dedicaria a contento às duas coisas e não me dispunha a viver "mais ou menos" nenhuma delas.
Os sentimentos se amenizaram. Passei a ir vez por outra a espetáculos de dança (sobretudo das grandes companhias) e até tentei uma forma alternativa de dança por um tempo - o flamenco. Mas minha relação com a dança tornou-se superficial, de espectadora mesmo. Perdi completamente o contato com aquele mundo, com as pessoas, com aquela outra realidade.
Há poucas semanas, numa conversa trivial, esse mundo retornou parcialmente à memória. Lembrei pessoas, fatos e casos daquele época, e tudo pareceu muito distante.
Poucos dias depois, fui almoçar no mesmo lugar onde essa conversa trivial tinha ocorrido. Na mesa ao lado, almoçavam três bailarinos do Grupo Camaleão, uma companhia conhecida aqui de BH, coincidentemente da academia onde comecei a dançar, ainda criança.
Eles falavam das dificuldades da profissão, dos problemas do grupo, dos professores e colegas. Também falavam de suas vidas e amores, de relações de amizade e de intrigas. Uma pretensão, um ar de superioridade "de artista", de quem conhece mais do mundo porque vive nessa outra realidade em que as pessoas têm "a cabeça aberta" e se interessam pelo que é elevado e não fazem parte do mundo insignificante das "pessoas normais".
Fiquei tão impressionada de, de alguma forma, já ter feito parte desse mundinho. Me desculpem, mas o mundo do qual falavam era tão pequeno, mesquinho. Aquilo me pareceu ainda mais distante. O que senti foi uma felicidade imensa por ter me desvencilhado daquela visão limitada com pretensões de amplidão sublime. Não me identifiquei com nada daquilo, nada naquele "mundo da dança". Foi estranho e libertador, ao mesmo tempo.
Pelo menos sei que meu mundo é limitado. Pelo menos trabalho para ampliá-lo um pouco mais, para conhecer mais coisas além a realidade que me circunscreve. Estar tão envolvido com algo é extremamente limitante. É preciso ter sempre os olhos abertos e ouvidos atentos para o mundo exterior, para o que está além da zona de conforto do mundo em que nos inserimos, seja profissional, familiar, de amizade...
Hoje, eu quero o mundo! Espero não mais cair em armadilhas que me prendam numa realidade artificial, trajada de vastidão sem fim.
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