segunda-feira, março 14, 2011

Eu num sô doido, não, dotô!

Esse é o mote repetido todo dia, o dia todo, por todos os usuários do Cersam.

Um deles toca hinos evangélicos no violão e canta a plenos pulmões, acompanhado da voz acutíssima de uma colega sua da permanência dia, que carrega um buquê de flores murchas que ela mesma confeccionou.

Na porta do plantão, um desdentado de dicção difícil exige, pela quinta vez no dia, ter uma conversa séria com o dotô. Pra dizer que não é doido, não, claro.

Um outro vem com seu constante cigarro aceso entre os dedos pedir, de novo, autorização para ir resolver seus assuntos na rua, pois ele não pode ficar ali parado o dia todo, não. 

Uma senhora questiona uma técnica o porquê de ela ir ali todos os dias... Fazer o quê?

Uma mulher maquiadíssima vem entregar um vaso de violetas para sua técnica de referência, voltando a cada cinco minutos para perguntar se ela ainda não terminou o atendimento a outro paciente.

Estagiárias de enfermagem fazem pipoca e distribuem para os usuários.

A plantonista tenta apresentar o serviço à nova psicóloga da rede que atuará num centro de saúde do distrito atendido por esse Cersam, sendo interrompida pelo telefone diversas vezes.

O motorista quer saber a quem deve buscar e para quem deve somente levar a medicação; a equipe de enfermagem quer saber a quem e qual medicação deve ministrar; a família pergunta como distrair um usuário que não quer ir à instituição, enquanto o SAMU não chega; há três acolhimentos a serem feitos; é preciso fazer busca ativa a um paciente que abandonou o tratamento; um outro se recusa a sair do porão onde mora e precisa de uma visita domiciliar.

São apenas 9h da manhã e tudo isso acontrece ao mesmo tempo. Não há nenhum profissional reclamando, todos sorriem e acham graça de toda a confusão. Priorizam, organizam e realizam suas tarefas. Todas urgentes.

A loucura ensina tanto sobre tolerância, paciência, respeito às diferenças e humildade!

Que bom que abrimos os portões dos manicômios e permitimos que a loucura circule pela cidade. Ela tem muito mais a oferecer-nos do que nós, supostamente normais, àqueles que a portam.


Um comentário:

Hildo Jr. disse...

"curti isso", eu diria se tivesse conta do facebook. Fiquei pensando na conclusão que vc lançou ao final... realmente seria um mundo bem mais vivo se as portas da loucura fossem abertas! Mais abertas, talvez... Que legal que vc tá curtindo esse cotidiano, fico feliz em ver tanto aprendizado! =)

E eu escuto Radiohead, prefiro pilotos alemaes a brasileiros, torço prum Atletico mas num sô loco não, viu, dotôra!
:-P