quinta-feira, março 30, 2006

Jonas, o narcoléptico - Cap. II

Aos dez anos Jonas falava, além do português escorreito, raro para crianças de sua idade, alemão e inglês, e já era capaz de conversas superficiais em francês. Tinha viajado boa parte do mundo, acompanhando seus pais aos congressos de medicina. Enquanto os dois trabalhavam, Hanabela era responsável por levá-lo a museus, óperas e teatros. A essa época, a Enciclopédia Larousse já não oferecia informações novas a Jonas, tamanha sua cultura e seu conhecimento.

Quando completou doze anos, seus pais acharam que era o momento de libertar Jonas dos cuidados nórdicos de Hanabela, que foi viver com Genésio, o jardineiro.

Eram uma família abastada e, na falta de uma governanta, contrataram duas empregadas. D. Cândida era caldense, cozinheira de mão cheia e respeitável senhora que tinha trabalhado na casa da avó paterna de Jonas até ela morrer. Jerusa era uma jovem carioca de Araruama, que de respeitável só tinha suas curvas.

Logo o menino percebeu as diferenças entre Jerusa e Hanabela. Passou a seguí-la pela casa com muito interesse. Cada vez que a moça subia na escada para limpar algo, Jonas adormecia. Ciente de seus dotes e acostumada a ser observada, adorava provocar. Usava um uniforme curto, abria alguns botões quando percebia a presença do menino, sussurrava no ouvido dele. Jonas sempre dormia, deixando a carioca indignada. Foi assim por mais de um ano.

Erroneamente assumindo que os súbitos cochilos do menino demonstravam desinteresse, Jerusa preocupou-se. Ia de compras no horário de saída da escola. No caminho, trocava olhares com alguns rapazes, deixava algo cair no chão e se abaixava para pegar. Descuidava-se de alguns botões na blusa. Sempre funcionava. Decidiu então que Jonas era maricas. Um dia levou Augusto, seu namorado, pra fazer uns pequenos reparos na casa. Instruiu-o a tirar a blusa por causa do calor. Jonas, enciumado, os seguiu por toda a casa, e como não dormisse, Jerusa concluiu que sua teoria estava certa. Pobre de Joaquim e Lenas, que não merecem um filho assim.

Assumiu para si a missão de endireitar o menino. Por dois anos, Jonas quase não ficou acordado. Seus pais, preocupados com essa recaída súbita mas persistente, decidiram que era o momento de procurar um profissional e iniciar um tratamento. Quiçá surgiram ao longo dos anos, novas pesquisas e novas técnicas que os dois, cirurgiões gerais, desconheciam por não atuarem na área da neurologia e psiquiatria.

Mandaram Jerusa de volta a Araruama. Acomodaram D. Cândida, que já não tinha família nem juízo, numa casa de repouso e assumiram todas as despesas. Mudaram-se com Jonas para São Paulo. Através de alguns colegas, descobriram um excelente neurologista. O Dr. Jacques tinha conseguido surpreendentes resultados com alguns pacientes narcolépticos.

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